Para se alinhavar algo sobre a história do Instituto Bíblico de Arapongas, instituição que atuou na área do ensino teológico de 1970 a 1974, talvez seja necessário inicialmente propor um conceito de avivamento e relembrar as razões das origens da Igreja Presbiteriana Renovada. A seguir, verificar quem foi seu fundador e diretor, apontando traços da ação do Rev. Palmiro Francisco de Andrade, homem que esteve no centro desses acontecimentos. E, por fim, tentar recordar um pouco do ambiente espiritual que permeou essa escola e, assim, poder pensar na sua importância como formadora de homens e mulheres que, vocacionados, foram ali preparados para a tarefa ministerial.
O avivamento
O avivamento espiritual, conquanto tenha aspectos concretos que podem ser vistos pela história, sociologia e teologia, também é a vivência de experiências pessoais quase inexplicáveis. Quem tentou descrevê-lo não fugiu de termos como reuniões maravilhosas, convicções pessoais, fogueira, pentecostes, unção, glória… Evan Roberts foi mais longe:
“O avivamento no País de Gales não vem dos homens: é obra de Deus” [1].
Vendo-o assim, da mesma forma como ocorreu em outros países que tiveram o privilégio de experimentá-lo, também chegou ao Brasil. Somos a geração que testemunhou sua eclosão, como um presente de Deus, uma resposta dos céus a muitos clamores e angustiosas orações, na forma como rogava o profeta Habacuque:
“Aviva, Senhor, a tua obra” [2].
Avivamento que veio chocar-se, na década de 60 do século XX, com um processo de secularização presente em alguns meios teológicos, e que era aplaudido como
“altamente positivo para a desmitificação da religiosidade alienante…” [3]
Mas, ao finalizar obra na qual relata a chegada do movimento pentecostal ao Brasil, no século XX, conclui o historiador e pastor presbiteriano Elben César:
“Não se pode negar a redescoberta da pessoa e obra do Espírito nesse século pentecostal. Isto procede do Senhor, não se tenha dúvida.” [4]
É nesse tempo e nesse ambiente espiritual que nasce a Igreja Presbiteriana Independente Renovada, a IPIR, depois de meses[5] muito tensos para os que aceitaram o avivamento, quando dezenas de pastores e presbíteros foram despojados de suas funções. A IPIR não foi resultado de decisões de um líder, nem de um projeto, e muito menos do acaso, mas de uma ação que tinha de ser tomada para agasalhar espiritualmente os que se achavam desorientados diante de um quadro conflituoso. Historicamente, ela é fruto de um processo de pregação do avivamento[6], de busca de uma igreja santificada, de um desejo profundo de conhecer mais a Palavra de Deus, de expandir a obra missionária, de servir mais a Jesus e, sobretudo, de viver plenamente a vontade do Senhor para sua Igreja.
Raízes históricas
Duas fontes recentes podem oferecer preciosos subsídios. Comemorando, em 2010, os 35 anos de existência da Igreja, fora editada a obra A IPRB na virada do milênio, do Pr. Advanir Alves Ferreira[7], seu presidente. Trata-se de amplo relato com destaque aos seus últimos dez anos de atividades, com introduções históricas.
E, mais especificamente, devemos citar um trabalho científico que aborda esse início da obra de avivamento, a tese “Conflitos no campo protestante: o movimento carismático e o surgimento da Igreja Presbiteriana Renovada (1965-1975)”.[8] Trata-se de amplo e bem documentado texto, presente na edição de setembro de 2010 da Revista Brasileira de História das Religiões. Seu autor, o professor Sérgio Gini, da Universidade Estadual de Maringá, doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná, pastor da IPI, discorre sobre a origem da Igreja Presbiteriana Independente Renovada, a IPIR. Com 43 páginas, inicia-se fazendo referência aos principais cismas no meio protestante brasileiro. Nos prolegômenos, destaca o afloramento do avivamento na IPI. Segundo ele, esse movimento cria uma tensão doutrinária interna que resultaria em medidas administrativas, vindo, no início dos anos 70, a dar origem à IPIR.[9]
Um homem, um líder
A história do IBA não poderia ser descrita sem que conhecêssemos, primeiramente, um homem chamado Palmiro Francisco de Andrade.[10] Quem esteve na famosa reunião do Sítio Marília pode fazer constar isso em seu currículo. Algo inusitado aconteceu ali. O local, a rodovia que liga Cambé a Londrina, em frente à empresa Cacique de Café Solúvel. Instalações rústicas. Manhã fria do dia 5 de julho de 1968. Ali está reunido um concílio da maior importância: o Sínodo Meridional da IPI.
O despertamento espiritual já havia alcançado algumas igrejas no meio presbiteriano independente nos Estados do Paraná, São Paulo e Minas e isso inquietava sua liderança, que passara a tomar posições. A missão de seu presidente, o Rev. Palmiro de Francisco de Andrade, pastor em Joinville, SC, não era outra senão a de colocar um ponto-final na questão em sua área administrativa. E ele vinha plenamente decidido a resolver o “problema”.
Entretanto, diz o refrão popular: “o homem põe e Deus dispõe”. Para falar aos ministros, fora convidado o Rev. Antônio Elias, pastor presbiteriano, de Niterói, RJ, conhecido avivalista, que discorreu sobre ‘A doutrina do Espírito Santo’. Ao final, o inesperado: o evento produzira efeito contrário ao que se previa. E, entre outros, o Rev. Palmiro teve uma experiência espiritual marcante e fora batizado com o Espírito Santo. Agora, ao voltar para Joinville, SC, levava a chama pentecostal que iria definir sua história dali para frente.
Com dois cursos superiores – teologia e história – vasta experiência ministerial e pedagógica, conferencista, de muita autoridade na Palavra, professor em faculdade de sua cidade, 44 anos, dotado de personalidade forte, esse foi um dos valentes que Deus levantou, nessa época, para iniciar uma obra que culminaria no cumprimento de Sua vontade para nosso país. E o revestiu de uma firmeza muito grande para poder enfrentar as turbulências que os próximos anos lhe reservariam.
Pelo menos sete trabalhos se destacam em sua biografia: fora pastor na IPI até 21/05/1972, um dos fundadores do Jornal Aleluia, fundou e foi diretor do IBA, participou da organização da IPIR, fundou e pastoreou a IPR de Arapongas, pastoreou a IPR de Curitiba (hoje 1ª IPR) e encerrou sua carreira como diretor do Seminário Presbiteriano Renovado de Cianorte, PR, depois de dedicar 19 anos à Renovada.
Embora não fosse pastor da IPI de Arapongas, PR, o Rev. Palmiro, quando diretor do IBA, passou a ser conhecido pelos membros pela sua espiritualidade e mansidão. Viam nele um homem temente a Deus e cheio do Espírito. Passaram a amá-lo e, aos poucos, sua liderança foi-se impondo. Muitos lares se abriram para a oração. O grupo avivado crescia não só em Arapongas, mas também em cidades vizinhas como Apucarana, Maringá, Paranavaí, Campo Mourão, Assis e Cianorte.[11]
Já residindo em Arapongas, PR, desde 1970, no começo de 1972 o Presbitério designou o Rev. Palmiro para assumir a IPI local. A oposição aos líderes avivados, que já era grande, avultou-se ainda mais. Por isso, escudado em decisões do Supremo Concílio, no dia 21 de maio de 1972, o Presbitério, reunido em Maringá, PR, despojou, entre outros, o pastor Palmiro de seus direitos eclesiásticos, afastando-o do pastorado, e dissolveu o Conselho de Arapongas. Ferido o pastor, as ovelhas procuraram um novo local para suas reuniões. Era o começo da futura Renovada em Arapongas.
Uma escola, um propósito
Funcionava desde 1962, nas dependências do Colégio Evangélico de Arapongas, PR, o Instituto Bíblico João Calvino, o IBJC, escola de teologia fundada e dirigida pelo Rev. Antonio de Godoi Sobrinho. Em 1969, havendo conflitos com a Igreja local, seu diretor demitiu-se e a Fundação Eduardo Carlos Pereira, entidade que administrava o IBJC, nomeou, no dia 25 de fevereiro de 1970, para seu lugar, o Rev. Palmiro de Andrade, que de imediato se transfere de Joinville, SC, para Arapongas, no começo de 1970, e se apresenta para assumir a direção da escola. O ex-diretor, alegando que o nome “IBJC” era um patrimônio da família, não consentiu no seu uso e ele foi extinto. Em seu lugar, o Rev. Palmiro criou, no dia 03 de maio de 1970, o IBA, Instituto Bíblico de Arapongas, com novos currículos, novos métodos de trabalho e novos professores.[12]
Nascia assim, ainda pertencente à IPI, um novo Instituto Bíblico, funcionando nas dependências cedidas pela igreja local, agora, porém, chamado de Instituto Bíblico de Arapongas – o IBA. Ter uma instituição para formar pastores na linha do movimento de renovação foi, sem dúvida, uma grande porta para a solidificação da futura igreja, que viria a ser organizada dois anos depois.
Numa mesma escola, alunos de posições diferentes agora compartilhavam salas de aulas, refeitório e o internato. Entre os que não queriam nem saber de avivamento estava o Otávio Nascimento. Línguas? Curas? Profecias? Isso não era com ele. Um rapaz forte, inteligente, de firmes convicções. Os meses se passaram. Os alunos, nos finais de semana, faziam escalas de serviço e treinamento nas igrejas da região. Otávio ia regularmente para Apucarana. Lá dava assistência a um grupo que aceitara o avivamento, mas ele, sempre na sua. Um final de semana, o grupo teria uma vigília. Estavam orando, quando, de repente, o Otávio fora batizado com o Espírito Santo! E falou línguas até o amanhecer. No outro dia, um domingo, não pôde pregar, não só pelo esgotamento físico, mas porque, se abrisse a boca, só falava em línguas. Ficou hospedado na casa de uma irmã por dois dias. Achando-se melhor, foi até a rodoviária. Mas o funcionário não entendeu nada do que queria, porque o Otávio ainda estava embriagado pelo Espírito e não percebia que estava falando em línguas…
Hoje, quem é o Otávio? Depois de pastorear igrejas renovadas por cerca de vinte anos no Brasil, foi para a Suíça. Reside em Zurique e, além de pastor local, preside uma federação de Igrejas Cristãs de Língua Portuguesa. Sua experiência está em seu livro autobiográfico.[13]
A formação, os resultados
Assim, o IBA foi trabalhando. Chega, porém, o ano de 1972, quando a IPIR fora organizada em Assis, SP. O Pr. Palmiro fora eleito seu presidente. Era natural que o IBA tivesse de deixar as dependências do Colégio Evangélico. Fora alugado um hotel na cidade, o Hotel Prado, situado na Rua Marabu, 229, que serviu de internato e de residência para o Pastor Palmiro. Uma ampla cozinha era liderada por dona Rosa Paula Lima, carinhosamente chamada de Tia Rosa pelos alunos. E um salão, na Rua Tico-Tico, 499, que havia sido uma antiga oficina mecânica, reformado, era agora o local para as aulas.
Oficialmente, o IBA fora instalado na IPIR no dia 8 de agosto de 1972, com 36 alunos. Um culto de ação de graças fora realizado no dia 16 do mesmo mês, estando presentes a diretoria da IPIR e o prefeito de Arapongas, Sr. Sadao Yokomizo. Houve a posse da diretoria do IBA: diretor pastor Palmiro Francisco de Andrade, tesoureiro Dr. Severo Franco e secretário Paulo Gomes.[14]
Nesse novo lar, o IBA formou admiráveis alunos, gente de fibra espiritual, de oração, que faziam evangelismo nas ruas, nas cadeias, que no louvor vibravam como se estivessem vivendo num paraíso, pisando em nuvens. Jovens – moços e moças – que sabiam com muita segurança de seu chamado. E o resultado foi uma plêiade de pastores que serviram e ainda servem com total integridade aos propósitos do reino de Deus.
À noite e nos fins de semana, o salão da Rua Tico-Tico recebia o grupo avivado de Arapongas para seus cultos. Nesse local houve lindas conversões, muitos restauraram sua vida espiritual, casais se reconciliaram e houve também um eficiente trabalho de libertação que beneficiou a muitos. Era o núcleo inicial da igreja local que veio a ser organizada em 12 de novembro de 1972.
Missão cumprida
O IBA formou três turmas. A de 1972, com 13 alunos[15]; a segunda, no final de 1973, com 14 alunos, e a última, em 74 com três: Nair Ribeiro, Raimundo Wilson e João Matos.
Em 1974, mais de 26 jovens já estavam atuando no sagrado ministério: Alvino de Paula Neves, João Bernardino, Jérson de Paula Neves, Natanael A. Palazin, Ronaldo Tavares, Daniel de Almeida, Francisco da Silva, Jair de Andrade, Ariovaldo Cardoso, Manoel Messias, Otávio Nascimento, Esmael Arcas, Dilmar de Paula Neves e as missionárias: Agda Batistela, Mariza Maciel e Rísia Maria da Costa.[16]
Então chegou o tempo em que IPIR e ICP (Igreja Cristã Presbiteriana) uniram-se, formando a IPRB, Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil. Depois de vários meses de aproximação e de reuniões de trabalho, numa inesquecível assembleia, realizada em Maringá, no dia 8 de janeiro de 1975, as duas igrejas deram-se as mãos. A ICP administrava o Instituto Bíblico de Cianorte e decidiu-se que os alunos do IBA seriam transferidos para aquela instituição[17], que passou ao status de seminário, o Seminário Presbiteriano Renovado de Cianorte.
Passados quarenta anos que tudo isso aconteceu, a cortina do tempo foi levantada e realizado um reencontro dos ex-alunos, professores e familiares. Nos dias 1 e 2 de maio de 2010, em Arapongas, PR, uma festa de abraços, de risos e de lágrimas, de cânticos, de fotos e de recordações. E também de saudades e ações de graças.
Que bom ter tanto a comemorar!
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Fonte: Revista Ressurgir nº 1, de maio de 2011, páginas 13 a 16
NOTAS
[1] Bartleman, F. A História do Avivamento. Azusa. 2ª ed. Americana: Worship Produções, 1981, p. 26.
[2] Habacuque, 3: 2.
[3] Souza, M. Q. de. A IPI do Brasil, o avivamento e o pentecostalismo. In Cadernos de O Estandarte. 2º Caderno do Centenário. São Paulo: Editora Pendão Real, janeiro de 2003, p. 29.
[4] César, E. M. L. História da Evangelização do Brasil. Dos Jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000, p. 157.
[5] O Supremo Concílio que se definiu sobre a situação dos avivados fora realizado em Brasília em janeiro de 1972. A organização da IPIR viria a concretizar-se em julho daquele ano.
[6] Lima, É. F. S. A IPI do Brasil e o pentecostalismo na década de 50. In: Cadernos de O Estandarte. 1º Caderno do Centenário. São Paulo: Editora Pendão Real, julho de 2002, pp. 42-59.
[7] O livro-relatório fora organizado pelo Pr. Émerson Garcia Dutra, tem 319 páginas e fora editado em 2010 pela Ed. Aleluia.
[8] Disponível em: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf7/08.pdf
[9] O texto traz depoimentos e informações sobre a atuação de pastores como Azor Etz Rodrigues, Abel Amaral Camargo, Palmiro de Andrade, Jobel Cândido Venceslau, Jamil Josepetti, José Zaponi, Jonathan Ferreira dos Santos e outros. Refere-se à origem do Jornal Aleluia, ao Instituto Bíblico de Arapongas, o IBA, à reunião do sítio Marília, à reunião do Supremo Concílio da IPI, realizado em Brasília, em 1972, que se posicionou de forma final sobre a não permanência dos avivados na Igreja.
[10] Palmiro Francisco de Andrade nasceu em Biguaçu, SC, aos 11/10/1924 e faleceu em Cianorte, PR., em 01/06/1991.
[11] Em Cianorte, em 1968, um grupo se desligara da IPB. Sob liderança do Pr. Jonathan F. Santos, fora fundada a Igreja Cristã Presbiteriana. O trabalho expandiu-se, organizou-se um Presbitério e um Instituto Bíblico.
[12] .O Rev. Silas Barbosa Dias, ex-aluno, registrou no Orkut: “Em 1970, eu tinha uma caderneta onde anotava os fatos mais marcantes do dia. No dia 06 de maio, tivemos nossa primeira aula, há exatamente 40 anos. O IBA foi instituído no dia 03 de maio de 1970. No dia 04, houve um culto, quando pregou o pastor Abel Amaral Camargo. No dia 05, outro culto, e pregou o pastor Matias Quintela de Souza. Finalmente, no dia 06, a aula.”
[13] Nascimento, O. R. do. Resistindo às provas e crescendo na fé. Arapongas: Aleluia, 1999.
[14]Paes, R. IBA: Marco histórico na educação teológica da igreja. Jornal Aleluia, junho de 2010, ed. 353, p. 8.
[15] Segundo informação do Pr. Natanael Palazin, os 13 formandos da 1ª turma foram: Tânia Maria Tadei, Natanael Antonio Palazin, Shirley Menezes, Manoel Messias, Ariovaldo Cardozo, Rute Dominoni, Ronaldo Tavares, Neusa Naramoto, Gerson Paula Neves, Daniel de Almeida, João Bernardino e Marlene Ramos. Do antigo Seminário, ficaram sete alunos que seriam formandos dessa turma. Ele se lembrou de três: Osmar Menezes, Amélia e Jessé.
[16] Jornal Aleluia, abril de 1974, p. 2.
[17] Foram transferidos 29 alunos para Cianorte.