A Bíblia sagrada narra a vida
de vários homens de Deus
que responderam com disposição
à proposta divina
de realizar Sua vontade
Essa “vontade interior”, a que chamamos de vocação, é algo muito mais profundo que muitas vezes nos leva a renunciar o eu interior para nos colocarmos à disposição do reino. Somos arregimentados por Cristo, segundo o seu beneplácito, nos escolheu. “Não fostes vós que me escolheste a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros, e vos designei para que vades e deis frutos…” João 15:16.
Para entender melhor esta entrega se faz necessário a abordagem do assunto vocação em uma era em que o termo pós-moderno já foi substituído para o termo hipermoderno, mas as observâncias para os vocacionados são atemporais.
Segundo Kiéos Magalhães Lenz César a palavra vocação tem origens gregas no verbo kaleo e suas variações (o substantivo klêsis e o adjetivo kletós). O verbo kaleo significa eu chamo, nomeio, convoco: “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados (eklêthete)” (Ef 4.1). O substantivo klêsis significa vocação, chamado, convite: “Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação (klêsin)” 1Co 1.26. O adjetivo kletós significa chamado, convocado: “de cujo número sois também vós, chamados (kletòi) para serdes de Jesus Cristo” Rm 1.6. Esses termos quase sempre são empregados com o sentido de vocação procedente da parte de Deus.
Bastos de Ávila faz breve referência a esse uso: originalmente, o termo se referia, de modo exclusivo, a uma disposição para a vida sacerdotal e religiosa. Nesse sentido, vocação significa um chamamento divino a um gênero de vida que permita dedicação total às coisas de Deus.
Calvino, em suas Institutas, diz que a vocação era a condição inicial para qualquer ofício: “…Portanto, para que alguém seja considerado verdadeiro ministro da Igreja, primeiro importa que tenha sido devidamente vocacionado, Hb 5:4; então responda ao chamado…”
O célebre pregador Spurgeon disse: “Antes que um homem assuma a posição de embaixador de Deus, deve esperar pelo chamamento do alto. Ser pastor sem vocação é como ser membro professo e batizado sem conversão… Estando seguro de sua vocação pessoal, deve investigar quanto à questão subsequente da sua vocação para o ofício; a primeira é-lhe vital como cristão, e a segunda lhe é igualmente vital como pastor.”
Aqueles que são vocacionados devem sentir-se privilegiados. Veigh disse: “A vocação do pastor é realmente um ofício especial. Não que ela tenha mais mérito do que qualquer outra vocação. Deus age e também está escondido em outras vocações. Mas o ofício pastoral não serve apenas ao mundo, mas ao reino espiritual de Deus. Cristo age no trabalho do pastor de modo libertador, graças à palavra do pastor e as consequências eternas do ministério.”
Obreiros vocacionados servem a Deus e a sua geração. Donald T. Turner disse:“Não há outra carreira ou profissão que ofereça ao homem tão grande oportunidade para servir sua geração.” Nosso papel, enquanto ministros de Cristo, é fazer Seu nome conhecido em nossa geração.
“Somos trabalhadores vocacionados da chamada final”, Alberto Barrientos diz. “A vocação é de Deus e corresponde às suas profundas aspirações. O trabalho pastoral está no plano de Deus para a humanidade caída. Não tem sua origem em planos humanos, mas no programa divino”. Todo chamado para obra de Deus provém da Trindade Divina que escolhe homens, mulheres e crianças para serem embaixadores do Reino.
Quando um pastor, obedecendo à sua vocação, ministra a palavra de Deus, neste momento ele se torna porta-voz dos céus. Whitloc declara: “Considerando que Deus não habita entre nós de forma visível, Ele usa o ministério de homens vocacionados para declarar abertamente sua vontade, transferindo-lhes o seu direito e honra, servindo suas bocas apenas para que lhe possa fazer seu propósito.”
Aqueles que desejam obedecer à sua vocação devem levar em consideração as palavras de Spurgeon: “Se vocês não sentem o calor sagrado, rogo-lhes que voltem para casa e sirvam a Deus em suas respectivas esferas. Mas se, com certeza, as brasas de zimbros chamejam por dentro, não as apaguem”.
Há muitos irmãos em nossas igrejas que sentem um chamado para o ministério, mas por vários motivos acabam desanimando-se. Uma das evidências da vocação é que a chama a cada dia aumenta, confirmando assim seu chamado, todavia esta chama não se restringe somente ao oficio pastoral. Não podemos nos esquecer dos milhões de soldados valentes que são vocacionados e servem a Deus no âmbito local.
Conhecemos muitas pessoas inteligentes e capazes, mas no que se refere à obra é necessário muito mais, pois haverá situações em que será necessário mais que habilidade humana e sim dependência de Deus.
Lutero aborda esta questão da seguinte forma: “A vocação não deve ser assumida levianamente, pois não é o suficiente que uma pessoa tenha conhecimento. Ele precisa estar certo de haver sido devidamente vocacionado. Aqueles que exercem o ministério sem a devida vocação almejam bom propósito, mas Deus não abençoa os seus labores. Eles podem ser bons pregadores, mas não edificam.” É por isso que palavras bonitas e bem colocadas não edificam e nem mudam vidas.
O papel pastoral é muito superior a um show ou apresentação. Somos canais de Deus e não podemos nos esquecer nunca de que não somos nós, pastores, que temos o poder de mudar as vidas, mas sem dúvidas somos uma ferramenta usada por Deus para encaminhar as vidas sedentas a Deus. Não despreze o seu chamado. Deus é quem o chamou e é fiel e justo para ajudá-lo nas suas limitações e dificuldades.
Segundo a Junta de Educação Teológica da Igreja Presbiteriana do Brasil, vocação pode ser definida nos seguintes termos: O chamado para o ministério é diferente em, pelo menos, três sentidos: (1) não se baseia em tendências, mas no chamado de Cristo mediante o conhecimento de sua vontade e o testemunho interior do Espírito Santo; (2) não objetiva uma profissão nem um cargo para realização pessoal, mas uma posição de serviço que requer abnegação e transformação de caráter; e (3) implica o cumprimento exemplar de obediência à Palavra em todo o processo de crescimento espiritual, e capacitações e habilitações para a pregação e o cuidado público e individual.
Inimigos modernos da vocação pastoral
A vocação pastoral possui inúmeros inimigos modernos:
1) Relativismo missional:
Jedeias, citando Richard Baxter, aborda que o obreiro vocacionado precisa ter cuidado com a fragmentação do evangelho, pois neste mundo tão ávido por novidades podemos incorrer inconscientemente, em oferecer formulas rápidas. Deus nos chamou com o objetivo de anunciar sua palavra que é rica e profunda, pois o evangelho é tão simples que uma pessoa iletrada pode entender e, ao mesmo tempo, é tão profundo que os mais hábeis cientistas não conseguem compreender. Não podemos nos esquecer de que no evangelho, além das bênçãos, está também embutida a renúncia.
Este mundo pós-moderno tenta sufocar as convicções da igreja, mostrando a inversão de valores através do relativismo. Não podemos esquecer que o homem é complexo, mas o evangelho é completo.
2) Pragmatismo missional:
Vivemos em um mundo capitalista e competitivo, e esse vírus do crescimento a qualquer custo muitas vezes quer contaminar o ambiente cristão “porque nós não estamos como tantos outros, mercadejando a Palavra de Deus; antes, em Cristo é que falamos na presença de Deus, com sinceridade e da parte do próprio Deus” (2Co 2.17), Rubens Ramiro Muzio em seu livro DNA da Liderança Cristã declara que muitos estão deixando de buscar orientação de Deus e estão buscando estratégias mercadológicas coorporativas. De fato, como pastores entendemos que administrar a igreja não é o mesmo que administrar uma empresa.
Podemos até emprestar algumas ferramentas para melhor atender a comunidade cristã, mas o perfil da igreja é completamente antagônico ao de uma empresa. Toda e qualquer formação secular dever estar subordinada à nossa missão de proclamadores da palavra de Deus.
Muzio enfatiza que as propostas de crescimento não devem ser pautadas em marketing, mas em visão missional contextualizadas na teologia bíblica. Segundo Jedeias de Almeida, muitos buscam crescimento a qualquer custo e sob qualquer bandeira.
Como vocacionados precisamos buscar em Deus o equilíbrio para entender que há momentos em nosso ministério em que o crescimento se dá por outras formas e não somente através de um rol de membros. “Um planta, outro rega e outro colhe; porém, o crescimento vem de Deus. “De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento.” 1Coríntios 3:7.
É inegável que nenhum pastor quer terminar o ano com o mesmo numero de membro com que o iniciou, mas muitas vezes o crescimento se dá, por exemplo, na consolidação dos recém-convertidos. Não podemos nos esconder atrás do ócio, mas também devemos ter claro em nossa mente que Deus dá o crescimento.
3) Subjetivismo missional:
Jedeias, em sua tese de doutorado, cita que atualmente pessoas têm escolhido viver de forma equivocada, achando que a seleção para o ministério se faz na perspectiva do mercado, necessidades da oferta e da procura e não pela direção do Espírito Santo. Tais escolhas estão fadadas ao fracasso, pois ser vocacionado não é buscar emprego.
Anísio Batista Dantas afirma: “Quem pensa que é fácil ser pastor não passa de um mal informado, ignorante e prepotente. Ser pastor não é ser dirigente de culto, é ser dirigente de vida e transmitir tudo aquilo que o doador da vida deseja que todos os homens recebam. Ser pastor não é falar bonito, não ser bom orador. Ser pastor e ter paixão pelas almas”. Outro aspecto que Rubens Muzio aborda em seu livro é o seguinte: o pastor desde século precisa ter habilidades para corresponder às exigências atuais. Jedeias comenta que há pessoas que buscam capacitações e treinamento no nível corporativo e deixam de buscar o maior e melhor professor que é o Espírito Santo. Tais capacitações visam ao antropocentrismo, e muitos se esquecem de que ser vocacionados é viver uma vida cristocêntrica.
Caros colegas, administradores são indicados, governos são eleitos para um tempo especifico e determinado, mas o pastor é chamado e vocacionado por Deus para ser porta voz em tempos de Guerras e Paz. MacArthur disse: Um chamado divino e inigualável, concedido a homens eleitos por Deus para serem ministros de Sua Palavra e servos de sua igreja.
Nossa vocação não é fruto da mão do homem: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros” João 15: 16. Nossa vocação é fruto de uma escolha diretiva do Senhor. Não devemos nos esquecer de que estando em um pequeno centro populacional ou em uma megalópole, pastoreando uma pequena ou grande igreja, tendo inúmeras habilidades ou sendo limitados por vários contextos, foi Deus que, em seu olhar eterno, nos arrebanhou para sua seara.
Somos privilegiados por Deus nos conceder tão grande responsabilidade de pastorear pessoas e ver que através de ministrações, de aconselhamentos e proposta de intervenções podemos ver estas almas transformadas pelo poder que há no nome de Jesus e na Palavra de Deus. Somos abençoados por ver um Deus tão poderoso cuidar de maneira tão especial de nós e de nossas famílias. Às vezes temos dificuldades, mas não existe nada melhor do que sabermos que estamos cumprindo as ordens de nosso comandante (o nosso Deus) e ter convicção de que vai dar tudo certo, porque é Ele que esta no comando. A este Deus que tudo sabe, que tudo vê, a Ele sejam dadas glórias, pelos séculos dos séculos. Amém. 1Pedro 5: 11.
“Umas das coisas mais belas de se ver em um púlpito é um pastor vocacionado ministrando.” Pr. Gilberto Eller Filho, IPR de Goioerê, abril
de 1997, Ministração no SPRC.
“Um dos passos mais importantes de um candidato ao Seminário é ter convicção de sua vocação. Pois no seminário e no ministério o obreiro será testado nos níveis mais intensos e variados de sua vida. Pr. Lauro Celso de Souza -Santa Ceia no SPRC, 1998.
“Cada um na vocação em que foi chamado, nela permaneça.” (Vulgata)
Aquele que tem uma profissão tem um bem; aquele que tem uma vocação tem um cargo de proveito e honra. (Benjamim Franklin)
“O sentido da vocação é o sentido superior do homem… Dia memorável na vida de um homem é aquele em que ele se convence de que há um serviço que ele deve e pode prestar à sua pátria ou à sua época.” – John Mackay.
Bibliografia consultada
Donald T Tuner. A Prática do Pastorado. Instituto Bíblico Brasileiro por correspondência. Imprensa Batista Regular.
Riggs Ralph M. O Guia do Pastor. 3ª ed, 1980, Editora Vida.
Dantas A. Batista. O Pastor e seu Ministério. 1990
Barrientos Alberto. Princípios e Alternativas do Trabalho Pastoral. Editora Crista Unida.
PETERSON, Eugene. A Vocação Espiritual do Pastor: redescobrindo o chamado ministerial. São Paulo: Mundo Cristão, 2006.
Junta de Educação Teológica da Igreja Presbiteriana do Brasil. Anexo do candidato ao ministério.
Kiéos M. Lenz César. Vocação: Perspectivas Bíblicas e Teológicas. Viçosa Ultimato 2002, pp. 17-23
Duarte A. Jedeias. A Vocação para o Serviço ou Serviço dos Vocacionados. Fides Reformata XVI, Nº 2, 2011, pp. 99-117
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Fonte: Jornal Aleluia 374, de junho de 2012, p. 5