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Desafios e oportunidades da plantação de igrejas

É importante voltarmos nosso olhar para a história da revelação bíblica no Antigo e Novo Testamento, porque nela encontramos a maneira como Deus se movimentou em missão para redimir seu povo. E essa missão se deu a partir de um contexto, de um espaço, de um ambiente. O povo de Deus, sob o governo de Deus, no território de Deus. 

As cidades na narrativa bíblica são espaços de revelação do plano redentor, seja com a manifestação de juízo ou de salvação. Podemos perceber que o desenvolvimento da revelação bíblica, aconteceu a partir do contraste entre as cidades como símbolos de iniquidade, maldade, juízo, perdição, condenação e imoralidade, em oposição com as cidades que representavam a nova criação, justiça, paz, bondade, salvação, redenção. 

A CIDADE NO MAPA DA HISTÓRIA DA REDENÇÃO 

No contexto da revelação bíblica, a cidade representava uma importante metáfora de compreensão da realidade daquilo que se tornou o mundo depois da queda, e também, das providências tomadas por Yahweh para redimir um povo como partícipe de um lugar, vilarejo, cidade. São pelo menos 1400 referências a terminologia no AT/NT.

A revelação bíblica aconteceu no território da história de um povo, de doze tribos, Israel, e posteriormente, com as inúmeras comunidades que nasceram no mundo greco-helenístico, em resposta ao anúncio do evangelho. Curiosamente o povo chamado a andar no caminho proposto por Yahweh, se contrapõe às cidades ímpias e pagãs de seu próprio tempo/espaço.

Queremos dizer com isso, que Deus se revelou a um povo inicialmente nômade ou seminômade, e lhe apresentou uma terra, uma cidade que teria uma estrutura de vida social absolutamente distinta daquelas cidades corrompidas.

O comentário apostólico de Hebreus diz, “…E Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles, porque ele mesmo preparou uma cidade para eles”.

Em outra passagem, o comentário de Hebreus diz, “na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir”, se referindo à um projeto de cidade que se manifestaria em um tempo escatológico. Uma cidade projetada para aqueles redimidos do mundo caído. 

E assim também se referiu o salmista, “andaram errantes pelo deserto, por ermos caminhos, sem achar cidade em que habitassem”, fazendo menção do livramento de Yahweh em relação ao povo de Israel. Em toda narrativa bíblica, a cidade figura como ambiente de salvação e juízo. 

Depois da queda, o narrador apresenta Caim como aquele que construiu a primeira cidade, caracterizada pelo caminho da impiedade, da violência, da autonomia, da arrogância. E assim, verificamos na narrativa do Antigo Testamento, inúmeras cidades que apresentam os mesmos traços da cidade de Caim. Como Babel, uma cidade com uma torre imponente que chegava até o céu. Aqueles construtores almejavam fama, reconhecimento. Por isso, o “Senhor desceu para ver a cidade” que aquela gente estava construindo. 

A cidade de Babilônia dentro do quadro da história da redenção, se amplifica na narrativa bíblica, em um ambiente corrompido pelo pecado e que na ausência de arrependimento, sofrerá o juízo de Deus. Em Apocalipse, essa ideia se torna clara na referência à “grande cidade”, uma alusão à Babilônia como símbolo de Roma onde “os reis do mundo inteiro cometeram imoralidade sexual com ela”.

Dessa maneira, a história bíblica expõe as fragilidades e potencialidades desse ambiente chamado de cidade. Reconhecemos que existe um distanciamento sócio-histórico-cultural do modelo de cidade do texto bíblico para o modelo de nossos centros urbanos na contemporaneidade. 

Todavia, mesmo existindo um distanciamento linguístico, social e cultural em relação às cidades contemporâneas, podemos perceber algo permanente que perpassa o tempo. Existem alguns traços que caracterizam a cidade no contexto bíblico. 

No gráfico abaixo, as duas colunas contrastam a velha ordem e nova ordem, representadas pelas cidades que são apresentadas no texto bíblico. Enquanto o Antigo Testamento descreve as diferentes cidades como espaço social na história da redenção, o Novo Testamento explica a grande ação de Deus por meio de Jesus Cristo e de seu Espírito em atividade por intermédio da igreja em ambientes urbanos do mundo greco-helenístico. 

Desse modo, fica evidente na história da redenção no AT/NT que as cidades são espaço de missão, onde o povo de Deus se movimenta sob a missão de Deus. Um movimento para fora, para o mundo, em dispersão. Deus envia o profeta Jonas à cidade de Nínive para anunciar uma mensagem de juízo, e toda a cidade se arrependeu, e por essa razão a cidade foi poupada. 

Percebemos que o desenvolvimento da revelação bíblica do Gênesis ao apocalipse, tem na cidade o palco de manifestação da graça de Deus e do juízo de Deus. As cidades na Bíblia expressam as diferentes culturas de seu tempo/espaço. Dessa maneira, existe uma tensão no coração do povo de Deus. É o povo de Deus redimido do mundo, mas habitando no mundo, povo que habita na cidade dos homens, mas pertencente a cidade de Deus, povo peregrino, da dispersão.

Em Atos a igreja se movimentou de Jerusalém aos confins da terra, de cidade em cidade, exercendo sua influência, como espaço de produção de cultura. O mundo do primeiro século era urbano e bem desenvolvido, com inúmeras cidades estratégicas. Paulo se movimentou por Atenas, Corinto, Éfeso e Roma, centros urbanos importantíssimos naquele contexto, anunciando as boas novas do evangelho e plantando igrejas. Alcançou gente de todas as classes sociais. 

O apocalipse de João foi escrito e endereçado às igrejas que habitavam em cidades do império romano sob pressões externas e internas. As comunidades estavam em tensão naqueles espaços urbanos. O sofrimento, a tribulação, a perseguição eram inevitáveis porque representava o confronto entre duas realidades – a velha ordem/nova ordem. 

O caminho de uma teologia bíblica da cidade, passa pela compreensão desse contraste entre a cidade enquanto espaço de construção humana, e nesse sentido, corrompido pelo pecado. Assim, toda produção sócio-cultural tem em si, as marcas da queda, mas os sinais da graça comum, de uma criação que geme por redenção. 

Por outro lado, a revelação bíblica desenvolve na própria história de Israel no Antigo Testamento, e depois com a manifestação do Filho de Deus no Novo Testamento, a chegada de um novo tempo em cumprimento às promessas da aliança, de que Deus está construindo uma cidade nova, com uma cultura completamente distinta da cidade dos homens. 

O MAPA DA IGREJA EM MISSÃO EM UMA CULTURA EMERGENTE

A terminologia pós-modernidade é bastante controvertida entre os estudiosos. Esse conceito busca definir uma compreensão de como o ser humano ler e interpreta a realidade em seu espaço.  Alguns traços caracterizam a realidade líquida de nosso tempo.

Uma síntese pode ser percebida quando se verifica o deslocamento das “metanarrativas às mini narrativas”, “Do texto às interpretações” e “Da verdade externa à interna”. A tese da sociedade atual é afirmar a morte de toda possibilidade de visão de mundo Iluminista, totalizante, universal.

Diante desse cenário, como desenvolver um ministério que supere as barreiras do pensamento pluralista, relativista e pragmático do homem urbano das grandes cidades? Esta questão expõe as fragilidades do ministério de pastores e plantadores de igrejas nesse tempo. 

O legado que a igreja evangélica brasileira herdou de ministério no século XX e nas últimas décadas do XXI, vem de algumas teologias da missão que a tradição cristã apresentou desde o início da modernidade nos Estados Unidos, em relação a cultura de seu tempo. 

Essas compreensões embasaram a prática ministerial de um lado ou de outro. Por um lado, a escola dos liberais seguiu o viés do evangelho social. Uma leitura do texto bíblico com aplicação na transformação da sociedade. A igreja em missão se desenvolvia a partir da necessidade de justiça e compaixão social. 

Paralelamente a essa corrente de pensamento, os “revivalistas” desenvolveram a perspectiva do evangelismo ou verbalização da fé como resposta à compreensão de missão. Portanto, têm-se o estabelecimento de duas ênfases à missão da igreja – evangelismo e justiça social como duas faces de uma mesma moeda. 

Durante todo o século XX, se estabeleceu a discussão entre qual deveria ser a prioridade da igreja em missão, evangelismo ou justiça social. Alguns grupos enfatizavam a proclamação, a verbalização da fé, outros grupos o envolvimento social como prioridade e responsabilidade da igreja. 

Qual a solução para o impasse entre essas tradições? A dicotomia entre palavra e ação, na realidade apenas polarizou a igreja em missão na modernidade, entre um polo e outro. A solução verificada e comprovada foi o retorno ao evangelho, ao modelo de missão de Jesus. No dizer de Goheen,

“Deus está decididamente agindo com amor e poder para restaurar toda a criação e a totalidade da vida humana”.

Dessa maneira, a missão na era líquida passa pela importância de recuperar o sentido da missão em Jesus, que se expressava para além de palavra e ação. Sua vida exalava o reino, a nova realidade pela qual Deus estava criando. Uma vida autêntica. E a igreja o segue à medida que suas  “palavras e ações são reconhecidas como dimensões essenciais da missão e testemunho do reino” 

Na teoria, essa compreensão de resgatar a perspectiva ministerial de Jesus, centrada no evangelho, parece clara. Mas na prática, muitos obstáculos se apresentam, conforme nossa reflexão tem apresentado. Como uma igreja local pode construir um ministério bíblico e relevante? 

Ed Stetzer aponta alguns traços que podem servir como um direcionamento para um ministério relevante na atualidade. Ele afirma que os cristãos ativos no contexto pós-moderno, “não se envergonham de ser espirituais”, “promovem um ministério encarnacional”, “servem os outros”, “valorizam o louvor experiencial”, “pregam mensagens expositivas utilizando a narrativa”, “valorizam modelos antigos e participam dele”, “dão expressão visual ao culto”, “estão conectados à tecnologia”, “são uma comunidade viva” e finalmente, “lideram com transparência e trabalho em equipe”. 

Podemos destacar algumas evidências que a Bíblia dispõe que caracteriza uma igreja genuína. Sendo a primeira, uma comunidade da aliança, a segunda, o encontro. A igreja existe para se reunir como comunidade para edificação e crescimento mútuo. A terceira, uma liderança pastoral

Toda expressão comunitária no Novo Testamento têm a figura de uma liderança pastoral. A quarta característica são as ordenanças, a evidência da ministração do batismo e ceia são centrais nas comunidades. E finalmente, a pregação como expressão de uma igreja bíblica. São inúmeras as referências que retratam essa realidade nas Escrituras.

No diagrama abaixo, verificamos o fio que entrelaça uma igreja missional: Cristo, missiologia e eclesiologia. 

Plantar uma igreja passa pela compreensão de que tipo de comunidade deve ser plantada. A ideia é desenvolver o nascimento de comunidades bíblicas e dinâmicas, no sentido de dialogar com a realidade da cultura. Um ministério para fora das quatro paredes do templo. 

O cenário da modernidade líquida tem colocado à prova a igreja em missão. Muitas igrejas locais desidratadas, anêmicas porque não conseguem dar respostas às angústias desse tempo. E o fenômeno do covid-19 desencadeou o desmantelamento de muitas comunidades que tinham aparência de que viviam, mas estavam mortas.

Diante desta realidade, alguns passos precisam ser dados para o processo de revitalização de igrejas locais.

O primeiro passo é reiniciar o Evangelho

Como podemos entender as questões da atualidade? Saúde, esporte, família, tecnologia, economia, instituições, ideologias políticas, mídias sociais, ideologia de gênero à luz da teologia da criação, queda, redenção e consumação. A crise do covid-19 trouxe à tona inúmeros ídolos que desafiam a igreja em missão no mundo. 

Todas essas áreas precisam ser interpretadas à luz da palavra de Deus. À luz do Evangelho. Através da cosmovisão bíblica. Todo problema da apostasia está associado com o esvaziamento do evangelho na fé cristã. O que fazer com essas questões? Como pastorear as pessoas com todas essas questões de fundo? A necessidade de redefinir a compreensão do evangelho e aplicá-lo à vida cotidiana e seus assuntos. 

O segundo passo é reiniciar a igreja.

Aqui a ideia é retornar às Escrituras a fim de reconfigurar a natureza das comunidades locais. Percebe-se na atualidade, a igreja dividida por diferentes interesses. No contexto maior, o sistema denominacional não dar respostas aos problemas enfrentados por seus líderes locais. A crise sanitária pôs à prova a natureza da identidade tanto da igreja local, quanto da instituição à qual pertence. 

Muitas pessoas não retornaram à vida em comunidade. Muitas pessoas se acostumaram ao online. Resetar é a necessidade desse tempo. A igreja precisa ser resetada para um novo entendimento. Recuperar a identidade da igreja bíblica, liberta de ídolos. Qual a imagem que define a igreja na condição de povo de Deus? A igreja na atualidade tem sido capturada pela cultura de mercado, onde seus frequentadores estão em busca de satisfazer suas necessidades espirituais. 

Mas o conceito desenvolvido pelo Novo Testamento associa o povo de Deus como sendo a nova humanidade criada em Cristo Jesus. Neste sentido, ser igreja representa carregar acima de tudo esse ethos de Jesus Cristo. O discipulado como caminho prático para essa jornada de transformação da mente. 

Terceiro passo reiniciar a vocação pastoral.

Segundo Timóteo tem muitos insights para o pastor pós-covid. Paulo na prisão e Timóteo meio em crise, desanimado, talvez com algumas questões da igreja. Paulo afirma então que o Evangelho lhe dará força e poder para não desistir.

Paulo resume a Timóteo sobre o Evangelho. Primeiro, Paulo diz para Timóteo esperar sofrimento, segundo ele diz para Timóteo ser fiel e deixar Deus cuidar dos seus, e finalmente, afirma a Timóteo que Deus está fazendo algo muito maior do que seu ministério pontualmente. Ele o faz através das imagens do soldado, atleta e agricultor. Essas atividades são parte de algo bem maior, a guerra, a competição e a fazenda.

Mas a questão levantada nesta reflexão, desafia pastores e plantadores de igrejas ao desenvolvimento de um ministério relevante para o seu tempo e lugar. O ponto central é a missão da igreja hoje. Uma comunidade local desidratada significa que não tem conseguido dar respostas ao seu contexto. Os códigos de linguagem não estão sendo decodificados pelo lugar.  

Conclusão

Portanto, o primeiro passo a partir dessa reflexão, certamente deve ser fazer uma leitura da igreja local, para diagnosticar o nível de envolvimento com o plantio de igrejas. Uma nova igreja nasce para congregar pessoas que foram alcançadas pela proclamação do evangelho.

É uma implicação da evangelização em determinada cidade ou bairro, (Mt.28.18-20; At.2.42-47). Portanto, plantação de igrejas representa “a multiplicação de igrejas locais, no cumprimento da grande comissão”, (Duarte, 2011, p. 39), (Atos 17.1-9;1Ts.1.2-10).

Essa avaliação poderá ser feita pelo conselho da igreja ou núcleo de líderes da igreja. As perguntas levantadas são: Que igreja somos? Que igreja queremos ser? Como multiplicar novas igrejas? O que fazer para revitalizar nossa igreja?

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